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5 de agosto de 2013

Respeitar as diferenças é educar para a vida

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Por Iêda Leal

“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo. Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião.
Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas podem aprender a odiar, podem também aprender a amar”. 
Nelson Mandela

A educação formal é um instrumento fundamental na construção, desconstrução e ressignificação de valores que perpassam as relações estabelecidas entre os seres humanos dentro das escolas em todos os segmentos, abrangendo mães, pais, estudantes, professores e funcionários administrativos. No entanto, os trabalhadores da Educação é que serão os grandes responsáveis pelas mudanças necessárias para o reconhecimento e valorização da história dos negros no Brasil. 

Cada um de nós carrega consigo várias heranças: somos herdeiros de uma sociedade escravocrata que, a todo momento, nos remete à história da escravidão como tendo sido um fato necessário para a construção do País e não como a subjugação de milhares de seres humanos africanos, num período fundamentalmente comercial, de solidificação de uma sociedade capitalista, de desvalorização da pessoa humana e de relações de poder de subalternização da raça negra.

No entanto, somos também herdeiros de uma outra cultura, profundamente marcante e que tem contribuído para a confirmação do nosso ressurgimento histórico: a de acreditar que outro mundo é possível por meio da percepção de uma outra relação com os processos culturais, um outro olhar sobre a constituição das famílias, da economia, da relação com o sagrado ou com os fenômenos da natureza, com o processo educacional, com as possibilidades de alimentação, tanto do corpo como da alma... Enfim, um jeito de viver o mundo com experiências diferentes, mas com absoluta crença na importância de cada pessoa e num profundo respeito ao próximo.

Nossa história, já há algum tempo, começa a ser contada! Nossa cultura, até pouco tempo desconhecida, necessita agora ser reconhecida e valorizada! É parte de nós e integra a construção política, econômica e racial da história do Brasil. Quando o ex-presidente Lula, em janeiro de 2003, sancionou a primeira lei de seu governo, atendendo a uma demanda de décadas do Movimento Negro Brasileiro, ele não propôs simplesmente uma modificação no currículo escolar brasileiro e, sim, uma profunda ressignificação da educação brasileira.

Nesse contexto, é necessário lembrar que a Lei No 10.639, sancionada no dia 09 de janeiro de 2003, não é uma lei qualquer, pois altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96), incluindo nos currículos escolares o componente História e Cultura Africana e Afro-Brasileira.

Igualmente importante foi a aprovação do parecer No 03/2004, em 10 de março daquele ano, pelo Conselho Nacional de Educação, tendo por relatora a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Tal parecer apresenta os dispositivos legais que asseguram aos brasileiros o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como igual direito às histórias e culturas componentes da nação brasileira.

Essa inserção nos currículos escolares necessariamente modifica o Projeto Político Pedagógico da Unidade Escolar, os livros didáticos, os planejamentos e diários dos trabalhadores em educação, não apenas alterando as relações sociais estabelecidas no ambiente escolar, como também quebrando um círculo vicioso que mantinha nossa população num permanente processo de exclusão política e racial.

As ações, quando assumidas pelo coletivo, possibilitam minimizar significativamente o sofrimento gerado pela violência do racismo no contexto da educação formal. O que a nova legislação propõe é uma mudança cultural. São oportunidades para que brancos, negros, indígenas, todos, enfim, possam conhecer a história brasileira que ainda não foi devidamente contada.

Em 2013, a lei No 10.639 completa 10 anos. Momento propício para comemoração, reflexão, avaliação das ações e estratégias. Há experiências exitosas de educação antirracista ocorrendo em todo o território brasileiro, ações que podem ser consideradas pontuais, mas que merecem todo o reconhecimento porque, na maioria das vezes, são ações desenvolvidas por professores ligados ao Movimento Negro que contribuem, sem medir esforços, para mudanças significativas da sociedade. Somos a resistência!

O que precisamos potencializar são o compromisso e a responsabilidade dos trabalhadores atuantes nos sistemas de educação pública e privada do País, no sentido do cumprimento da lei. No processo de implementação e institucionalização de uma educação que promova e oportunize o acesso de todos os cidadãos aos bens de consumo materiais e imateriais, é de suma importância a reflexão e a avaliação. Tais atitudes é que podem fazer com que todos passem a defender um processo impulsionador do redimensionamento das ações e estratégias para garantir um ambiente escolar que acolha a todos e onde vigorem condições de permanência e de continuidade dos estudos.

O papel da educação formal é fundamental para que aconteçam as mudanças sociais tão almejadas por todos nós. Nela, o que se quer criar são práticas pedagógicas que orientem e promovam ações capazes de valorizar a diversidade étnicorracial. Ações capazes de intervir na formação do pensamento das pessoas, com vistas à construção de novos valores e à revisão de valores distorcidos – como o preconceito racial, a violência contra a mulher, a homofobia –, buscando a justiça social, o fortalecimento de uma identidade cultural humanizada e o reconhecimento dos direitos inerentes aos seres humanos.

Educar para a Igualdade Racial deve-se traduzir na ampla possibilidade de surgimento de um novo olhar sobre a história de resistência de um povo ao longo de mais de 500 anos. Tal possibilidade exige uma sistemática que contemple alguns pontos: o início, por certo, por nossa origem no continente africano; pelo tráfico; pelos 500 anos de escravidão; por Zumbi dos Palmares; pelo movimento de luta dos Quilombolas; pelas cartas de alforria compradas com o suor do povo negro; pela Conjuração Baiana, que foi uma organização de um povo que nunca deixou de lutar contra a escravidão; pelas leis que não garantiam de fato os nossos direitos de seres humanos – a Lei do Sexagenário, a do Ventre Livre, a Eusébio de Queiroz, a Lei Áurea – que pouco contribuíram para dar dignidade às pessoas, pois sempre se contava com uma maneira de burlar as normas, prejudicando ainda mais a nossa população; pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1966, com a qual as Nações Unidas se comprometem na luta contra o racismo; pelo Dia da Consciência Negra; pelo crescimento das organizações em defesa de um mundo justo para todos; pela fundação do Movimento Negro Unificado; pelo Estatuto de Igualdade Racial; pela história da África nas escolas; pela demarcação das terras quilombolas; pela criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),em 2003; e pela aprovação da lei no 10.369/03. Trata-se de uma trajetória de luta que, hoje, atinge um momento em que não queremos ficar sós. A convocação é para que todos possam vir conosco para continuarmos a nossa história.

Os desafios são grandes, mas não fugimos da luta. Possibilitar que crianças, jovens, adolescentes e adultos tenham oportunidade de, efetivamente, valorizar nossa história, nossa cultura, é construir coletivamente uma Educação que possibilite a vigência de relações etnicorraciais nas salas de aula, tendo sempre como perspectiva a necessidade de serem ultrapassados os muros da escola e se ganhar TODA A SOCIEDADE num emaranhado de compromissos a serem honrados por todos nós.

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Sobre a autora: Iêda Leal é Coordenadora do Centro de Referência Negra Lélia Gonzales e Secretária de Igualdade Racial da CUT-GO. 

Fonte: Revista Mátria, edição março 2013.
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